You are currently viewing Tatiana, a gestante

Tatiana, a gestante

No post desta semana, o Dr Otavio Martucci revela a inacreditável história da gestante Tatiana. Uma jovem que descobre um câncer na mama antes mesmo de conhecer o seu filho.

Tatiana, 32 anos, gestante

Conheci Tatiana, com seus 34 anos, gestante de 26 semanas. Era sua primeira gestação, que transcorria sem problemas, até Tatiana palpar um nódulo duro em uma das mamas. Em duas semanas, ele quase triplicou de tamanho e Tatiana descobriria em pouco tempo que o nódulo era um tipo agressivo de câncer. Com quase 30 semanas de gestação, ela sabia que sua própria vida e a de seu filho estavam em risco se não tomássemos rápidas medidas para combater aquele tumor. 

Eu já tinha passado pela marcante experiência de tratar gestantes na minha época de residência médica. Mas, as lembranças eram as piores possíveis, pois nos poucos casos que eu havia acompanhado, mamãe ou bebê faleceram nos primeiros ciclos do tratamento. Infelizmente, por não ter boas recordações de casos semelhantes, temia, obviamente, estar diante de mais um desses casos trágicos. Porém, a história de Tati seria a primeira a mudar aquele cenário sombrio que eu trazia na memória.

Ao decidirmos iniciar as quimioterapias, ainda com Tati grávida de 30 semanas, o pedido sincero dela me marcou, ao solicitar à nossa equipe todo o empenho, para que o final dessa história acabasse com sucesso: “Façam tudo o que for possível para que eu conheça o meu filho, por favor!”.

Tati realizou dois ciclos de quimioterapia antes do parto, o qual teve que ser antecipado pela pouca resposta ao tratamento oncológico. Ela era portadora de um tipo de câncer de mama que poderia responder muito bem ao tratamento quimioterápico se combinado a uma terapia-alvo, tendo em vista uma determinada expressão de uma proteína detectada na membrana de suas células tumorais. Mas, o medicamento de escolha não poderia ser utilizado em gestantes, por total desconhecimento da segurança do seu uso naquele cenário. Ao decidirmos interromper a quimioterapia da Tati para antecipar o nascimento de Arthur, estávamos apostando que a tal medicação mudaria a história natural daquela doença – e estaríamos todos certos! Só que saberíamos disso apenas com o tempo…

Arthur nasceu bem, com quase 36 semanas, ficou pouquíssimo tempo na unidade de terapia intensiva neonatal e passou a ser a motivação principal para que todos nós mantivéssemos o empenho em tratar Tati da melhor maneira possível. Pela primeira vez na minha carreira eu vivenciava mãe e filho vivos depois de uma quimioterapia iniciada durante uma gestação.

“Façam tudo o que for possível para que eu conheça o meu filho, por favor!”

Ainda internada e proibida de amamentar seu filho, Tati iniciou a nova etapa do seu tratamento, com a medicação direcionada ao tipo de tumor mamário que a afetava. E dentro de seis semanas a resposta foi impressionante: a doença começou a regredir rapidamente e permitiu que ela fosse operada com sucesso meses depois.

Em meio ao crescimento de Arthur, Tati ainda receberia tratamento com radioterapia e colheria exames para avaliação da provável hereditariedade do seu tumor. Quando ela já estava na fase de tratamento oral, fomos todos surpreendidos com o resultado de uma mutação em um gene chamado BRCA-1. O significado dessa mutação levaria Tati a realizar a retirada da outra mama, e também dos ovários.

Depois daquela informação vinda do seu DNA, eu saberia que ela era filha adotiva. Os pais adotivos, uma médica e um músico, iniciaram a procura à sua família e descobririam, meses depois, que Tati tinha mais duas irmãs, que estavam vivendo no Uruguai. Também teriam conhecimento que sua mãe biológica havia falecido aos 45 anos, portadora de câncer nos ovários.

Admiravelmente, Tati partiu para o Uruguai com seu marido, Pietro, e o filho, já com pouco mais de um ano de vida, para conhecer suas irmãs, mais novas do que ela e que deveriam receber a notícia que aquela família provavelmente seria portadora de uma rara mutação genética, com comportamento hereditário. Caberia a ela informar às duas irmãs o significado daquele resultado genético e orientá-las a fazer o teste à procura da mesma mutação.

Pietro contou-me que o encontro das três irmãs foi comovente! Elas só se conheceram por causa de uma informação surpreendente, depois de um diagnóstico de um câncer de mama da mais velha das três. Porém, conseguiram transformar aquele momento num encontro memorável.

A história ficaria ainda mais surpreendente quando, meses depois, as duas irmãs de Tati descobriram ser portadoras da mesma mutação, herdada do DNA materno. Ambas decidiriam optar por caminhos diferentes: a irmã do meio por fazer a retirada bilateral das mamas e dos ovários, por precaução; e a irmã caçula tomara a decisão de não ser submetida a procedimentos cirúrgicos.

Quando Tati estava quase no quinto ano do seu tratamento oral, seu marido Pietro, um jovem executivo peruano, fora transferido para trabalhar nos Estados Unidos. Em meio às mudanças, ela começou a sentir dores no ombro direito e a ter náuseas frequentes. A investigação do quadro resultaria no diagnóstico de uma metástase, única, com quatro centímetros no fígado.

Depois de longas discussões clínicas, decidimos em conjunto com a família de Tati, pela retirada daquela doença metastática no fígado, para depois submetê-la a mais um período de quimioterapia. Naquele momento, Tati decidiu permanecer no Brasil por um tempo, enquanto Pietro fazia sua mudança para fora do país. Naquela época, Arthur já tinha cerca de cinco anos e ficaria com a sua mãe, para depois irem juntos à Filadélfia, nos Estados Unidos, para se juntarem a Pietro, desde que tudo corresse bem… e foi isso que aconteceu.

Depois de operada, Tati passou por seis meses de quimioterapia e necessitaria manter um tratamento injetável a cada 21 dias, por tempo indeterminado. Passados os efeitos da quimioterapia, ela e Arthur precisariam se reencontrar com Pietro. Mas, para isso, necessitaria continuar seu tratamento oncológico nos Estados Unidos. Ela me pediu um longo relatório do seu caso para buscar um local que aceitasse a continuidade do tratamento. Como de costume ela me surpreendeu ao comunicar que conseguiria manter seu tratamento dentro de uma das maiores instituições de Oncologia no mundo, a Fox Chase, na Filadélfia. E, para lá, foram Tati e Arthur…

Ela manteve o mesmo tratamento que vinha fazendo no Brasil e permaneceu ali por dois anos, mantivemos contato por todo esse período. Eu recebia mensagens acerca do seu tratamento, e também da sua família. Acompanhei à distância o crescimento profissional do seu marido e o desenvolvimento do pequeno Arthur.

Quando soube que Tati, Pietro e Arthur voltariam a viver no Brasil, preparamos a continuidade daquele tratamento que, indiscutivelmente, havia evitado a recidiva da sua doença.

Atualmente, de volta a Campinas, Tati permanece sob cuidado e sem qualquer evidência de recidiva. Arthur está com oito anos de idade, é um belo menino, fala fluentemente inglês, espanhol e português. Pietro tem um importante cargo dentro de uma multinacional.

Os pais de Tati estão aposentados, curtindo de perto o crescimento do netinho. Suas irmãs continuam vivendo no Uruguai e mantêm contato com ela. A irmã caçula encontra-se, hoje, aos 30 anos, em tratamento oncológico para um câncer de mama em meio à sua primeira gestação!

Deixe um comentário