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Seu Altair, o motoqueiro

Hoje o Dr. Otavio Martucci conta uma incrível história de superação de um paciente que não desistiu de fazer a viagem dos seus sonhos.

Seu Altair, 55 anos, o motoqueiro

Aos 55 anos, o deputado estadual Altair foi diagnosticado com um câncer no reto. Político habilidoso, ótimo interlocutor, enfrentaria o seu primeiro grande problema de saúde na vida. Ele era o autêntico bon vivant, e não negava isso. Tinha paixão pela política e por sua motocicleta.

Na primeira consulta, ele chegou de moto, com luvas e uma jaqueta de couro estereotipada, e demonstrou ter humor ao me perguntar sorrindo algo que ninguém jamais havia questionado: “Não tem lugar para eu apoiar o meu capacete nesse consultório?”.

Seu Altair era um homem vaidoso, e acabara de ser diagnosticado com um tumor no reto baixo, o que provavelmente o levaria para uma cirurgia de amputação do órgão, com a necessidade de ficar com uma colostomia definitiva. Naquele momento, ele não temia apenas por aquela possibilidade, por incrível que pareça, mas temia não poder viajar de moto pelas estradas, e com uma colostomia. Logo no início do nosso contato ele declarou: “Eu vou ficar curado, com colostomia ou não. Porém, não suportaria imaginar que não poderei usar essa moto que acabei de comprar, para fazer a viagem que sempre foi o sonho da minha vida!”.

Eu disse a Altair que faríamos de tudo para que ficasse curado, sem colostomia, e com a permissão para fazer a viagem que quisesse. Aproveitei e perguntei qual seria o destino da sua viagem dos sonhos. “Quero chegar de moto ao deserto do Atacama, no Chile, doutor!”.

Estávamos preparados para iniciarmos a quimioterapia e radioterapia, quando fomos surpreendidos com uma tomografia de tórax revelando que ele tinha também uma metástase pulmonar. Aquela informação mudava a maneira de enxergarmos a doença e o tratamento de Altair. Precisaríamos resolver cirurgicamente a lesão pulmonar, que era o único local de metástase, para depois dedicarmos tempo ao tratamento da doença no reto. 

Quando Altair percebeu a gravidade da situação, me questionou: “Faço minha viagem ao Atacama antes ou depois desse tratamento, doutor?”. Arriscando, sem que deixasse Altair notar a minha insegurança na resposta, eu avisei: “Precisamos deixá-lo sem doença para que a sua viagem seja segura. Você precisa operar o pulmão, depois fazer quimio e radioterapia, antes mesmo da cirurgia do reto”. Decidimos que falaríamos da viagem somente depois dessas etapas cumpridas.

“Não suportaria imaginar que não poderei usar essa moto que acabei de comprar, para fazer a viagem que sempre foi o sonho da minha vida!”

Seu Altair passou pela cirurgia do pulmão sem qualquer intercorrência, e depois enfrentou quase dois meses de quimioterapia e radioterapia concomitantes, com razoável tolerância. Ele precisou deixar sua moto parada durante essa etapa, que lhe trouxe alguns efeitos colaterais.

Cerca de sete semanas depois do fim da quimio e da radioterapia, após a recuperação dos efeitos indesejáveis daquela etapa, Altair fora submetido à cirurgia do reto. Embora ele tivesse tido uma ótima resposta ao tratamento, duas informações abalaram sua confiança. Uma delas foi que a cirurgia não conseguiu preservar o reto, e ficaria com colostomia pelo resto da sua vida. A outra notícia que abalou meu paciente foi que ele precisaria ser submetido a mais seis meses de quimioterapia, pois tínhamos evidências de que a doença acometia nódulos linfáticos regionais.

A maneira que encontrei para injetar ânimo no meu paciente foi fazê-lo pensar na viagem de moto que autorizaria logo após aqueles seis meses de quimioterapia. “Isto tudo acabará no Atacama, meu amigo… Prepare sua moto e suas bagagens!”.

Durante aquele período de quimioterapia complementar, Altair foi gradativamente se adaptando à colostomia. E foi fazendo planos… ele fazia contagem regressiva dos ciclos de quimioterapia, que o separavam da viagem dos seus sonhos. 

Quando encerramos os longos seis meses de tratamento complementar, Altair já estava com tudo preparado para sua viagem. Curiosamente, soube que ele havia vendido a sua motocicleta! Ele me disse que havia comprado outra moto, novinha e mais potente, para poder chegar ao Atacama.

Eu não imaginava que Altair fizesse a viagem em tão pouco tempo após o término do seu tratamento. Em apenas três semanas, ele estava com tudo pronto! Mas, a maior surpresa ainda estaria por vir… ele me surpreenderia mais uma vez.

Em um sábado à tarde, recebo um telefonema feliz e empolgado do Seu Altair, informando que a viagem começaria naquele momento. Foi quando ele me avisou: “Já estou em Manaus! Vim pegar a moto nova, aquela que comprei para a viagem!”. Eu pensei ter ouvido algo errado, e perguntei: “Manaus, Altair? Você não iria para o Chile?”. A resposta foi imediata e certeira: “Eu vou para o Chile… partirei, agora, daqui de Manaus. Se tivesse dito isso antes a você, jamais conseguiria sua permissão.”

E assim Altair partiu para a viagem dos seus sonhos. Ele foi acompanhado de mais dois amigos, “malucos iguais”, nas palavras deles mesmos. Documentaram todo o trajeto pelas câmeras em seus capacetes. Conheceram locais incríveis, e chegaram ao Atacama em dez dias!

Meses depois, na casa de um daqueles “malucos”, assistimos juntos ao vídeo editado daquela aventura.

Já se passaram nove anos daquela viagem. Altair está muito bem clinicamente, sem recidiva da doença e completamente adaptado à colostomia.

Aos 64 anos, ele abandonou a política, e agora vive pilotando sua moto por todas as estradas da América do Sul.

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